Meu Tio Al costumava classificar as pessoas entre naturalmente finas e naturalmente grossas. Eu gostava desta brincadeira. Ficávamos horas a fio elaborando as listas. Só que, creio, meu conceito de finura e grossura, ou finesa e grosseria, não era muito semelhante ao dele. Porque eu acho que latino-americano não é naturalmente fino. Existem exceções, como minha filha, Mary Fê. Ela é aquele tipo de pessoa que, se prender o dedo na porta, você nem vai saber, tamanha a sua discrição. Mas ela não é travada, nem tímida. É fina, mesmo. E não vou dizer que tenha puxado à mãe, porque meus cascos são conhecidos internacionalmente. Entretanto, quando eu era criança, minha avó, que era nobre de família, dizia que eu era sua pequena lady. Segundo ela, foi a psicanálise que me transformou numa "punk", que ela pronunciava com "u". Porém, a palavra inglesa, que significa "delinqüente", não denota nem conota o que sou: um cavalo. Uma interlocutora, outro dia, me disse que este blog, salvo a delicadeza natural de minha filha, era como eu: elegante por fora, mas cheio de merda por dentro. Fiquei flattered, porque Coco Chanel ainda é meu paradigma de elegância. Mas discordo: eu acho que sou deselegante por fora. Mas algo elegante por dentro. E isto passa por minha classificação de naturalmente finos e grossos. Eu acho que sou um pouco elegante, por dentro, porque, numa sociedade cada vez mais hipócrita, eu digo o que penso, o que sinto, e não deixo pra ninguém o benefício da dúvida. Isto não significa que eu não mude de opinião. Porque, como dizia meu adorado, Paulo Francis, um gentleman, só os idiotas não mudam de opinião. E, além disto, eu tento respeitar a etiqueta, no que ela tem de mais verdadeiro e etimológico: a pequena ética. Não é que eu seja ética. Porque ninguém é ético, no Brasil. Nem no resto do mundo. Desde que nos levantamos até a hora de dormir, agredimos a ética, ao ligar um ar condicionado e aumentar, por exemplo, os gases atmosféricos. Ou a calefação a carvão, idem. Então, não existe mais ética no mundo. Este conjunto de valores que pressupõe respeitar o próximo e a natureza. Mas acho que conservo uma certa etiqueta. Não é etiqueta de loja. Não é grife. É, por vezes, gafe. Sou gaffeuse. Eu não ligo pra dizer que vou chegar atrasada. Eu costumo chegar na hora. Mesmo de táxi, agora que não tenho mais carro, dou carona. Quando posso, incluo amigos em tudo o que faço. Sou provinciana. E provinciano obedece a etiqueta, porque, numa cidade pequena, se você não faz isto, você nunca mais vai ficar em paz com a sua consciência, porque todo mundo faz, porque todo mundo se vê e se reconhece. A cidade grande brutaliza as pessoas. Ainda assim, há cidades, como São Paulo, que preservam a etiqueta, inserindo na metrópole um jeitinho caipira de ser. Refiro-me aos paulistas, mesmo, porque o pessoal de fora, com raras exceções, não tem este protocolo. Isto é coisa de quatrocentão e de quem cresceu ali. Eu adoro São Paulo e os paulistanos. E ali moram duas amigas finíssimas: Joice Niskier, que é carioca, mas adotou SP, e Valeria Dressano, paulista. As duas são naturalmente finas.
Acho que isto é um mistério tão insondável quanto a origem da vida. Quanto o fenômeno do gênio, que ninguém explica. Por que algumas pessoas nascem finas? Claro que a educação familiar contribui. Mas existe um fator imponderável.
Em compensação, do outro lado de Gotham City, a gente vê pessoas ostentando o título de bien née, que melhor fariam em comer feno. Entendo que aristocrata não tenha mesmo educação. Educação é troço burguês. Mas o que noto, salvo poucas criaturas, como as ladies supracitadas, é que a cavalgadura anda solta. E o que é pior: disfarçada. Acho que faz parte da novilíngua, de Orwell. Guerra é paz. Ódio é amor. Grosso é fino. Fino é grosso. Eu tenho uma amiga que antigamente eu chamava de "Os brutos também amam." Ela dava patadas nas pessoas a torto e a direito. Mas eu a achava fina, porque ela era nobre de sentimentos, de ações, de etiqueta. Agora, parece que ela entrou pra socila do boteco 66 ou 666, e virou uma lady às avessas. Fala fino. Voz suave. Polida. Mas internamente tem um ser que me parece muito distinto daqueles brutos também amam. Como se ela tivesse sido reeducada num reformatório e tivesse aprendido a exibir um verniz, que mascarasse as navalhadas levadas a ferro, fogo e força. Minha amiga era uma lady, quando era bruta. Porque não era bruta, era rude. E aí reside a diferença.
Agora, o pior exemplo que tenho desta deturpação é uma velha conhecida. Ela parece uma inglesa. Anda com passos de gazela. Parece que olha o mundo do belvedere de seu nariz. Mas é naturalmente grossa. Nasceu grossa. Só que aqui no Rio, principalmente, cidade muito jeca, as pessoas confundem magresa com fineza. E eu tenho outra amiga, gordinha, que eu considero a grande dama de todas as artes, a nossa Peggy Guggenheim. Elegante, por dentro e por fora.
Sabemo-nos macunaímas, heróis sem nenhum caráter, mas não custa aprender com os bons exemplos, que são exceções. Eu derrapo nos meus cascos, sobretudo quando eles me doem, como ultimamente - aliás, viva a indústria farmacêutica, estou experimetando um alívio balsâmico com uma droga nova. Porém, tenho como paradigmas minha listinha, que não divulgo, para não pecar na etiqueta. Quando penso nas listas que fazia com meu tio Al, que, por sua vez, era um cavalheiro, segredo a ele, que se foi deste planeta sem educação, aos 47 anos, num dezembro de 1978, estes nomes que aqui omito. Esses são meus naturalmente finos. Eu não sou um deles. Nasci naturalmente grossa. Mas quero aprender a transitar no mundo com a graça de uma bailariana e a força de uma guerreira, não na superfície, mas na passarela do espírito, sob os holofotes da consciência, esta provinciana vizinha, que não me deixa passear pela vida, sem lhe pedir licença.
Claudia, Ilana, Clarices, Patricias, Sandra, Nina, Guida, obrigada por me ensinar os primeiros passos, na cidade de Niterói, onde todo mundo sorri, mesmo sem razão.
Boa noite! Durmam bem! Sonhem comigo e não caiam da cama.
sexta-feira, 11 de abril de 2008
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2 comentários:
Eu tive uma tia chamada Ceny, irmã de minha avó, que fazia o melhor pudim de condensado e o mais saboroso cachorro quente de aniversário de criança de todo o selvagem norte-fluminense. Toda vez que havia festa de algum parente infantil, lá estava a tia Ceny com sua maravilhosa cozinha infanto-juvenil. Mas o tempo passou. A tia foi perdendo o tato.
Uma outra tia, a tia Darcy era finíssima. Nunca se ouviu falar nada da tia Darcy. Ela era tão fina naturalmente que chegava a ser de uma elegância sobrenatural. Certa vez, a tia Ceny, já um pouco sem tato por causa da idade avançada, errou na quantidade de pimenta do molho do tão famoso cachorro quente. Pecou na viola. Nós, que somos naturalmente grossos, chegamos e comemos esbaforidos e esganados. Obviamente não deu para disfarçar. A minha prima Beth então, quase teve um troço. Desesperada, bebeu água da pia e abanou a boca com a mão para aplacar a ardência da pimenta. Sabíamos que a Tia Darcy uma hora ou outra chegaria lá. E ficamos pensando....- “Gente! Ela que é tão fina! Como será que vai reagir ao cachorro???”. Era um mistério. Ficamos nervosos esperando a chegada da tia Darcy. Até que ela chegou, como um sonho esvoaçante, diáfana e muito elegante, como saída de uma página de Proust com trilha sonora das sereias dos noturnos de Debussy. Chegou, cumprimentou a todos e elegante que era, foi logo tocando diretamente no orgulho da dona da casa – “Ceny! Que delícia! Você fez aquele cachorro quente!”. E nós lá, rindo de pocar. –“Claro que sim Darcy! Aqui! “. Ela provou...... E sem esboçar o mínimo sinal de careta, como se tivesse completamente marmorizada por 20 litros de botox falou em voz baixa e com um sorrisinho. – “Ceny, que maravilha! Você pode me arrumar aquela guaranazinho?”
Eu sou naturalmente fino e naturalmente grosso!
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