sexta-feira, 4 de abril de 2008

Graças a Zeus, os Stones desceram do Olimpo para mim, ou Brenda, I love you

Hoje, eu acordei soltando fogo pelas ventas. Não foi conseqüência apenas do climatério vivido em pleno global warming. Nem do sonho terrível que tive com Pedro Montagna, no qual nos víamos cercados numa casa, cuja dona havia sido executada com um tiro na testa, na nossa frente. Eu acordei puta por despertar no século XXI, no Rio de Janeiro, onde isto acontece a toda hora, e já aconteceu com uma grande amiga minha, há oito anos. Depois, me levantei e fui me deparar com um monte de pentelhações que iam de meu celular perdido num táxi até negociações de trabalho e, como desgraça pouca é bobagem, a sucursal do inferno na Terra: banco. Não fico em fila, porque sou portadora de deficiência física, mas sou obrigada a encarar os portadores de doença mental que nos atendem atrás dos guichés. Vou ao caixa eletrônico e constato que as operações efetuadas por outro cliente, no caixa ao lado, estão aparecendo no meu monitor, aviso aos responsáveis pela manutenção, mas eles não se ligam, porque se vêem muito ocupados, discutindo um jogo de futebol cretino. Saio dali bufando. Cruzo com a mulher de branco, que me sorri cúmplice. Em seguida, com uma renomada dramaturga carioca, que me comunica que andam falando bem de minha obra, na secretaria de cultura. Sorrio, tentando esconder minha raiva, e, como tenho um sorriso fácil, convenço. Mas olho pro céu e imploro que os deuses me dêem sinal de sua existência e coragem para prosseguir em minha provação terrena. E, então, eis que o Olimpo responde. Lá no alto, nos letreiros da programação de cinema, cintilava o título que iria me devolver à condição de imortal: "the Rolling Stones shine a light. " Título mais sugestivo não poderia haver. Eles, os deuses, em pessoa, melhor, em celulóide, acendiam sua tocha divina para mim. Não tive dúvida. De bermuda, sem bolsa, mancando, como Vulcano, corri para o quarto andar do shopping da Gávea, o playground das peruas da zona sul, e invadi o cinema, esbaforida. "Me diga quanto é. Eu pago. Sento até no chão." Mas os deuses não fazem por menos. Ninguém havia comprado ingresso pra sessão das quatro e eu podia escolher um lugar, de frente pra Mick Jagger, só pra mim. Aiiiiiiiii!!!!! Fiz o cara abrir a sala e entrei como se precisasse pegar lugar. Sentei-me bem no meio, no melhor lugar da casa. O ar condicionado a toda. E eu, de short, congelando. Mas o pior era ouvir a bossa nova, essa musak carioca, entrando pelas caixas. Tudo pelos Stones, pensei e agüentei. Aos poucos, foram chegando uns coroas e eu assim me perguntando se havia entrado na sala certa, até que um deles, careca, falou pra outro, ainda mais velho: "tomara que aumentem o som, porque Rolling Stones tem que ser no último volume." Expirei, aliviada. Ao todo, havia uma meia dúzia na platéia. Começa a sessão e eu tenho que aturar um comercial mentiroso da Vivo, vivíssima, patrocinadora da sala e operadora com a qual eu discuti a manhã inteira. Passados os trailers e aquela chatice que antecede os filmes agora, o logo, com a inscrição Shangri-lá, tomou a tela. E as portas do horizonte perdido se abriram. Eu simplesmente vi o melhor filme de rock´n roll de todos os tempos, com a melhor banda de todos os tempos, sem ter ninguém, nem bancário burro, nem atendente da Vivo, nem carioca que não saiu da oca, nem todo esse peso que é viver neste século XXI imbecil, nem a dor no quadril, nada a me incomodar, porque eu estava diante de uma obra-prima. Martin Scorcese, ao contrário do que fez com Bob Dylan, rendeu-se ao irrefutável fato de que the Stones are not history. The Stones are! E então ele desistiu de filmar uma tournée e fazer um documentário como de costume e, sabendo-se diante de gênios que nunca deixaram de ser, ao contrário de Dylan, que foi e se esqueceu como é, fez o filme mais primoroso de sua carreira, posicionando-se no palco, como um dos músicos, num único show, no Beacon Theatre, um teatro lindo da Broadway, que eu tive o prazer de freqüentar, como quem vai ali, no shopping da Gávea, onde vi seres tocados pelos deuses, mas que não podia imaginar que seria palco dos deuses mesmos do Olimpo, em uma de suas visitas ao planeta. Minha amiga e parceira, Marcia Medeiros, teve esta idéia, há mais de vinte anos: entrou no palco do Circo Voador, e se posionou nele como um músico, pra filmar a banda Urge, que tinha à sua frente esta minha amiga, que dançou pelas mãos de um assassino filho da puta. Margot Mahnada talvez tenha sido a última artista com talento genuíno de superstar, mas ela não tinha Keith Richards de parceiro, nem o Circo Voador era o Beacon Theatre, e ela ainda teve a má sorte de viver numa cidade que não a soube proteger. Já Marcia Medeiros, esta é tão grande quanto Martin Scorcese. E eu ainda hei de viver para vê-la filmar shows mundo afora, como só ela sabe fazer no Brasil, porque é musical como nenhum outro videomaker brasileiro. O fato é que, pela primeira vez, eu vi os Stones assim, dentro do palco. Vi as obturações de Mick Jagger. A dentadura de Keith Richards. Mas nada me demoveu da idéia de que me via diante dos deuses, em sua forma mais humana. O que faz com que Mick Jagger seja o homem mais tesudo do mundo, aos 64 anos? E Keith Richards, o mais elegante? E Ronnie Wood, o mais brejeiro? E Charlie Watts, o mais charmoso? Uns dirão que foi pacto com o demônio. Mas isto não é verdade. Mick Jagger nunca fez pacto com nada. Porque ele é Lucifer himself. E Lucifer significa "que se faça a luz." The Stones shine a light. O diabo é o pai do rock. Mas vender a alma ao diabo é uma burrice. Coisa de gentinha. Her Satanic Majesty não está interessada em comprar barato alma de plebeu. Eu tive a sorte de ver Stones ao vivo quatro vezes. Duas em NY, no Shea Stadium, onde a arquibancada quase caiu e eu, com ela, feliz da vida. E duas no Brasil. A primeira naquele que foi seu melhor show, segundo Jagger, no Maracanã. Fui no backstage, com minha então parceira, Rita Lee. A Rita ia abrir o show e estava muito nervosa. Então, me pediu pra ir no carro, segurando sua mãozinha. Fomos no automóvel: eu, a Vivi, irmã da Rita, Eduardo, meu ex-marido, e o motorista, errando o caminho, enquanto eu falava sem parar, sobre beagles e outros assuntos nada a ver com aquilo, pra relaxar. Até que, por fim, entramos rampa adentro do Maraca, com a multidão urrando em cima da gente. O camarim cheio. E eu implorando à Rita que me levasse até o camarim dos deuses. A Rita entrou, voltou e me disse que era verdade, que eles adoravam o diabo, porque viu velas vermelhas acesas e uma foto de Mefistófeles. Mas devia ser mais uma ilusão de ótica de uma criatura míope, que é bem chegada a uma lorota. E ela ainda completou: "se você quiser entrar, tem que falar com o Roberto. Eu não tenho o menor cartaz com eles. O Roberto é que é amigo de Mick Jagger. Tá todo mundo sendo barrado na porta..." Todo mundo, menos Lucia Turnbull. Lucia é a edição feminina de Keith Richards. E, ela, sim, é a maior roqueira do Brasil. Aos 13 anos tocava nos bares de Londres, deixando os bêbados ingleses perplexos. Mas era fã dos Mutantes. Escreveu pro Arnaldo Baptista e ele disse pra ela voltar pra São Paulo, que eles estavam loucos pra conhecê-la. Voltou e, aos quinze, já tocava com eles. Aos 18, com a Rita, que aprendeu a tocar e a cantar rock com ela. A Rita gostava mesmo era de Brigitte Bardot, seu ídolo até hoje. A voz, o jeito de cantar, que a consagrou, são de fato criações de Lucia Turnbull que, como seu par inglês, Richards, só queria saber de se divertir e tocar, sem ligar pra royalties. E Rita Lee, ao contrário de Jagger, é muito burra. Ela, como boa brasileira, achava que o negócio era se dar bem, a qualquer preço. Então, se livrou da parceira, com quem ela estava fazendo um rock´n roll tão poderoso, quanto o que os Stones faziam, e, ao lado de quem, ela teria conquistado, não apenas o Brasil, mas o mundo inteiro, ao invés de pagar mico no Rock in Rio, com Lincoln Olivetti pasteurizando ainda mais o trabalho já bem chatinho com o marido, e enterrando uma carreira internacional, aos 35 anos. O resultado disto está na cara. Dorian Gray não perdoa. Deforma o semblante mais belo e o exibe pro mundo a máscara despida. Vender a alma ao diabo é uma roubada. Porque esses diabinhos que povoam a Terra são de quinta, e dos quintos dos infernos. Lucia também vem de luz. E ela pertence a essa categoria de anjos decaídos, que são muito queridos de Deus, melhor, Zeus. E, como Jagger&Richards, não envelhece. Ela pega a guritarra e tem 20 anos de novo. E ainda vai encontrar seu Ronnie Wood e seu Mick Jagger. Mick, suspeito, será Luís Capucho. Ronnie deve aparecer no bojo. Semana que vem, vou ver de novo The Stones shine a light, com a luz de Lucia ao lado. Vou ver muitas vezes. Até a grana acabar. Cheguei em casa e dei este dever de casa à minha filha. Ela não entende o que eu vejo nesse tal de roquenrol, quer dizer, nesse tal de Mick Jagger. Minha mãe, por sua vez, acha que, pra mim, Quasímodo seria um padrão de beleza. Eu desafio as duas, avó e neta, a ver o filme e não me dar razão. Mick Jagger foi e ainda é o homem mais bonito do mundo. O mais sexy e gostoso. Foi uma gritaria no cinema. Se alguém entrasse, desavisadamente, ia achar que era uma enfermaria: seis pessoas urrando. Eu decidi que vou perder os dez quilos que ganhei, voltando a fazer rock. É a ginástica de Mick. E ele tem um corpinho...Outra decisão que tomei é que serei celibatária, até ele descobrir que eu sou a mulher de sua vida. Afinal, eu me parecia com a Bianca, quando eu era mais nova, ao menos, me diziam alguns. E ele não corre o risco de ter outro filho bastardo brasileiro. Sei que isto vai ocorrer, só quando ele estiver lá pelos cem, e eu, pelos oitenta. Mas minha família é super longeva. Meu avô morreu com 103. Então, com oitenta, eu vou estar uma gatinha. E ele, cada vez mais tesudo e lindo. Recomendo, não só este glorioso filme, mas o documentário "Being Mick", disponível no youtube, que me foi indicado por Antonio Saraiva, outro stonemaníaco. Mick Jagger é um xamã. Eu o vi comandar dois milhões de pessoas na praia de Copacabana, numa suíte a convite de uma amiga. O mar ficou calmo. O público entregue. Não houve violência, nem furto, nada. A paz e a alegria, que os sacerdotes pregam mas não sabem instituir. Ele sabe. Os Stones poderiam insituir a paz no Oriente Médio. Os Stones poderiam fazer deste planeta o melhor lugar do universo. Mas a Rainha Elizabeth I os convocou antes, há 500 anos. E eles vieram ingleses. Então, Mom, eu quero ir pra Londres. Não quero ficar aqui e bater cabeça pra MPB, como todo roqueiro se vê obrigado a fazer pra entrar no mercado. Eu não quero entrar em mercado. Eu quero entrar na alcova de Mick Jagger e ser sua gueixa, pra sempre.
Saí do cinema, com menos 40 anos, fui saltitando pelas escadas rolantes, minha pele esticada, linda, como se depois de uma trepada. E foi mesmo a melhor trepada da minha vida. Eu me olhei no espelho e vi uma adolescente. Botei a bengala debaixo do braço e saí pela rua pulando e dançando, como se eu tivesse visto Fred Astaire pela primeira vez. Mas eu estava era vendo os Stones pela primeira vez. Porque é sempre assim com eles. Eles tocam como se fosse a primeira vez, com o mesmo tesão. E a gente ouve a mesma música como se fosse a primeira vez. Mick Jagger foi meu primeiro amor. E será também o último. E eu vou levar minha filha pra conhecer Madonna, que pra ela é o que Mick é pra mim. Mas nem eu, nem Madonna, existiríamos se não fosse ele. Foi ele que inventou tudo isto, filha. Ele se inspirou em Little Richard, que inspirou também Prince. Mas foi ele que provou, com suas letras simples e muito criativas, que o rock podia ter inteligência. Foi ele que inventou o balé do rock. Foi ele que foi o Nijinski do fim do século.
Os deuses desceram à Terra, na Gávea. Na sala ao lado, Marianne Faithful também arrasa como atriz, em outro filme. Ela foi o pivô da briga entra Mick e Keith, que romperam por seu amor. Os dois cantam "As tears go by", depois de um comentário irônico de Jagger, no filme. "Deixamos outra pessoa gravar, porque achamos esta música embaressing." A outra pessoa era Marianne Faithful. Dizem que os dois stones não se falam desde então. O amor por ela acabou. Mas Mick e Keith têm um pelo outro um sentimento que se chama paixão, que o Paulo Rônai diz ser o ódio às avessas. E talvez por isto eles estejam juntos há mais de 40 anos. O casamento deles continua cheio de tesão na cama, que é o palco. É ali que eles trepam. E é ali que trepamos com eles. Um amigo me diz que eu ouço Stones como quem ouve Beethoven. Mas, claro, eles são um clássico. Mas eu os vejo como quem vê filme pornô. Se eu estivesse sozinha no cinema, acho que me masturbava ali mesmo. Meus companheiros de sessão, homens e mulheres, emitiam gritinhos iguais. Porém, houve momentos em que verti lágrimas de emoção. Não era a emoção nostáligica, que nos toma ao ver um ídolo do passado. Era uma emoção nova. Renovada. A emoção que a gente sente quando vê quatro deuses empunhando suas tochas e dizendo pra você: "Está vendo. Nós não te abandonamos. Nós estamos aqui pra iluminar seu caminho." E a luz se fez. The Stones shone a light...

Filha, olha como ele é lindo:

Um comentário:

Anônimo disse...

ei voce ai...minha amiga anapinta goodwina me mandou vir aqui. ri das pedras rolarem...gostei muito, acho que voce deu na lata (ou saiu dela, rara')

aqui ta um trecho da carta que mandei pra ela e pro ricardo goodwino

acabo de fazer um negocio que sei que fariamos se voce estivesse aqui...fui ver o filme de scorsese sobre as velhas pedras rolantes...
queops quefren e miquerinos soltando as frangas, mon dieu...bota soltando as frangas nisso.... no beacon theater. onde ja cantou a marisa monte
olha, tem seu merito, principalmente quando buddy guy aparece. o homem e' das bregas fundas, do blues....emocionante. quando ele para de tocar, keith da a guitarra dele pro cara...
botaram uns dois outros panacas pra tocar com eles, mas nao funciona. como nao funciona (e e' ate patetico) bill clinton abrindo o show. mas o filme da vontade de aplaudir...

sergio