terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

"Não se assuste, pessoa!"


Neste endless revival, as gírias, maneirismos e jargões dos já limitados anos 70 voltaram, ou nunca deixaram de ser, posto que o que seria para enriquecer nosso extorquido tesouro vocabular, assoma como recurso salva-pátria de autóctones disléxicos. Não vamos perder tempo chorando as pétalas arrancadas da flor do Lácio. É que eu comentava com minha parceira, outro dia, ali na privada, algo que desejo tornar público: minha implicância com o uso impróprio do substantivo "pessoa". Nos seventies, esta mania pernóstica não chegou a colar, porque era coisa de hippie e quem se recusava, como eu, a sentar em almofadão indiano e regar samambaias choronas, não suportava bicho grilo. Na época, no entanto, a expressão era usada de uma forma diversa da que ora se verifica no cenário pseudo-alternativo-outsider-socialite- ou sociallete (socialite gillete). Os hipongos diziam assim: "qual é, pessoa?!" ou "Tudo bem, pessoa?!" Agora, é um pouco diferente. Pessoa é a pessoa para a qual a pessoa esteja falando pessoal e diretamente. Assim: "a pessoa veio ao Rio e nem me telefonou!" Aí, um incauto pode interrogar: "que pessoa?!" No caso, é você que está ouvindo, ou lendo, tal cretinice. Outro uso pode ser igualmente num comentário sobre a pessoa-você, do tipo: "a pessoa fala cada barbaridade." Comumente, proferido quando você diz uma banalidade qualquer, no idioma dos seres pensantes, e o interlocutor, uma pessoa sem cérebro, em geral, se choca. Mas a pessoa aqui não vai se ater a exemplos. Observo apenas que esta nomenclatura foi forjada no universo gay, que sempre nos forneceu interjeições preciosas, as quais reverencio. Porém, a pessoa que inventou esse papo de pessoa deve ser uma pessoa muito retrô. Porque já se foi o tempo em que, camuflada no armário, a pessoa gay dizia que estava saindo com uma "pessoa", sem definir o gênero, pra não dar pinta. Cheguei a comentar com minha companheira de blog e blague que parece que gay nunca é homem ou mulher. É pessoa. E cogitei da possibilidade de existir mesmo um terceiro sexo. Ao que, a senhora no bidé ao lado, aquiesceu, acrescentando que deve haver ainda um quarto, um quinto e um sexto. Seja como for, o terceiro é pessoa. Não é homem, nem mulher. Gostava mais quando era chamada coluna do meio, ou mesmo gillete, invertido, entendido, do babado...Pessoa é demodé. Os rumos que nossa amada língua pátria tem tomado são mesmo de lascar. "Pessoa", para mim, é o equivalente a "coisa", substantivo usado, na falta de outro. Quando jornalista, aprendi que nunca se usa "coisa" num bom texto. É preciso definir o objeto. "Essa coisa de..." é uma expressão muito inexpressiva. Mas eu acabei assimilando, de tanto ouvir, Zelig que sou. Estou, pois, a um passo de virar pessoa. De coisa a pessoa, deve haver alguma evolução darwinista. Já se falou muito também na terceira pessoa - olha ela aí, de novo! - ao se referir a si próprio: "ela não leva desaforo pra casa..." Ela, agora, é pessoa. Ele, idem. Ah, lembrei-me que, nos 70´s, também, ouve um movimento nos EUA, das feministas mais siderais, para que acabassem com os gêneros. Assim, não podia ser mais cowboy ou cowgirl. Tinha que ser cowpeo - de people - por exemplo. Foi o início do enfadonho politacally correct. Não pegou, do mesmo modo. Isto tudo faz parte de uma grande burrice que grassa pelo mundo hodierno e odioso, no qual, as mulheres lutam pelo direito de se tornar homens. Que coisa antiga, pessoa! Assim, poetisa tem que ser poeta. Actress, actor... Pessoalmente, acho um equívoco. Mas quem sou eu, senão uma pessoa do gênero feminino?! Uma espécie em extinção. Só me resta fazer ouvidos moucos, quando a terceira pessoa baixar no lugar da segunda. Ou simplesmente ser mais seletiva nas minhas andanças sociais. Porém, se eu continuar neste passo, vou acabar entrando para o sabadoyle do céu. O encontro na casa de Plínio Doyle, onde o português era castiço e a inteligência farta, que deve respirar agora no paraíso. Longe deste inferno de pessoas muito gente, que se comunicam com meia dúzia de vocábulos e chamam os loquazes de pessoa louca. Até compreendo: ouvir uma criatura falar uma língua, plena de palavras estranhas, deve dar a impressão de loucura. A pessoa não é normal. A pessoa pensa. A pessoa lê. A pessoa recusou capim na última festa. Bom, a pessoa agora vai ter que se despedir. Bye bye, crazy people, men and women and so on...

3 comentários:

Mary Fê disse...

Sem preguiça e sem esforço, li tudo! Fluido e contumaz. Garanto q O Pessoa adorou, lá de arriba! E eu também, cá de baixo - ventre do seu ventre (reparou esta minha tentativa forçada de fazer um trocadilho? ugh).

Guilherme Scarpa disse...

hahahahaha
Adorei!
Esse toalete é muito agradável, todo borrado de bons fluídos e com papel higiênico "Arame Farpado".
Beijos

bruna beber disse...

AAAH
geniau