sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Ponto G sempre falha na hora H


Há mais ou menos vinte anos, eu e uma parceira musical compusemos, num freqüentadíssimo e famoso sítio em Itaipava, uma canção que se iniciava com o verso acima. Isto porque nós, autoras outrossim do cult hit, celebrado no Colégio Freudiano, "Xô, orgasmo!", no qual proclamávamos: "o orgasmo é um tédio.", repudiamos com conhecimento de causa a tese sem nexo e sem sexo. Eram os eighties e eu, considerada formadora de opinião, prestava depoimentos aqui e ali, para a imprensa que me queria darling. Havia inteligência na mídia impressa e os mais bem-aquinhoados de massa cinzenta costumavam ser consultados, quando alguma notícia suspeita baixava às mesas dos editores. Assim foi que, quando indagada de minhas crenças religiosas, declarei: "acredito em tudo, menos no orgasmo vaginal." Pouco depois, veio a notícia de que o Ponto G, descoberto nos anos 50 por um médico alemão, desses que escaparam do julgamento de Nuremberg, havia sido redescoberto por um colega inglês. Daí em diante, filólogos do sexo saíram à cata desta letra escondida do alfabeto feminino, como verdadeiros Indiana Jones, em busca de uma arca e de um caso perdidos. A pesquisa de Gräfenberg, um homem que tem tremas no nome, mas jamais será Göethe, só pode ser mentirosa. Primeiro, porque as pesquisadas eram todas alemães. E todo mundo sabe que alemã nunca teve nem vai ter orgasmo. Se alemão gozasse, aquele país nunca teria sido palco da maior carnificina de toda a história da humanidade. Ou, por outra, se tem, ou tinha, era ante a visão do sofrimento humano. Portanto, mulher alemã, bem entendido, não goza. Nem com clitóris, nem com esta tal parte obscura da vagina. O que as pesquisadas tiveram provavelmente foi uma sensação semelhante a que todas as mulheres experimentam durante um exame de toque. Um susto! E aí pensaram, provavelmente induzidas pelo médico nazista, que era o decantado orgasmo vaginal. Nazismo é uma ideologia pertinente no caso. Porque o doutor em questão, não satisfeito em forjar a pesquisa, ainda concluiu que algumas mulheres são dotadas desta membrana, apêndice, ou aberração, que for, e portanto portadoras do ponto G, e outras não. Ou seja: entre as mulheres, existe eugenia. Umas são mais capazes de gozar. Outras, menos. Eu e minha parceira não engolimos este sapo. Unidíssimas, desde os treze anos de idade, afirmamos categoricamente que, não só nunca tivemos um orgasmo vaginal, como duvidávamos de sua existência. Imaginem a chatice. Os homens, crédulos por natureza, perseguiram as perseguidas, para ver qual delas era capaz de fornecer esta espécie de orgasmo, chamado adulto. Imaginavam eles que as mulheres iriam se contorcer como um rastejante, cheio de centros nervosos, e efetuar danças do acasalamento, dignas de um pássaro selvagem. Enfim, depois da ciência, da arte, da literatura, todas femininas, o bicho homem deu de inventar um dispositivo pra nos devolver à condição de répteis!

Quando eu já estava convencida de que esta onda neonazista havia passado, eis que ela volta, com toda a força, nestes tempos, claro, neonazistas, em que a mulher não é apenas o negro do mundo, como dizia Lennon, mas o judeu da humanidade. Em vez de pesquisar a cura da AIDS e do câncer, a ciência e a imprensa perdem tempo na pesquisa de uma estupidez, apenas para, mais uma vez, sacanear seres que pensam. E nós, mulheres, ainda pensamos. Não somos binárias, como o gênero oposto. Criamos subtextos. Lemos nas entrelinhas. E não vamos engolir nem o esperma nem a esparrela de nenhum nazista. Desta feita, os campos de extermínio ficarão vazios, porque nós vamos nos defender de toda e qualquer ideologia genocida, com nossa arma mais poderosa: a inteligência. Ter ponto G é como ter olhos azuis. Sinais de superioridade de uma "raça" sobre outra. Pior, de um gênero sobre o mesmo gênero.
Quem corrobora a pesquisa agora são os italianos, notórios misóginos, e, não por acaso, herdeiros do medíocre império romano, que usurpou e baniu do planeta a cultura grega. A mais rica que já nos visitou. Isto para não falar de Mussolini e outros parceiros fascistas dos nazis.
Como se não bastasse, foram, bem a exemplo de seus antecessores, procurar o ponto G em cadáveres. Isto é necrofilia, passatempo sexual favorito dos fasci-nazistas! Desde quando cadáver tem orgasmo, seja ele clitoriano ou vaginal?! Porém, com o curso que a história vem tomando, é possível que atinjamos o prazer pleno apenas depois de mortas. Como falou a judia Clarice Lispector: "talvez morrer é que seja o paraíso." Não dá mais pra suportar tanta burrice! É por isto que o obituário contemporâneo ostenta os nomes dos últimos gênios de nossa espécie. Estão morrendo de choque anafilático intelectual. Eu mesma já sinto palpitações perigosas, ante fenômenos tão desestimulantes. Mas o pior é dar voz a esta categoria que deveria ter sido mandada pro espaço, num foguete, pra não voltar nunca mais.
De uma vez por todas: o ponto G não existe! É invenção nazista. Que os homens advoguem sua existência, eu posso compreender. Mas as mulheres...Mulher misógina é como negro racista. Um paradoxo aterrador. E escrevo estas linhas apenas porque não quero que minha filha, com quem divido este banheiro, nosso esconderijo iluminista iluminado, cresça acreditando em mula sem cabeça e outros folclores. Ponto G, creacionismo...Darwin, help! Os imbecis estão tomando conta da Terra!
Que minha querida filha cresça, pois, acreditando na Fada Sininho, e não na foda sinistra, desta era retrógrada, em que nós, sílfides rebeldes, nos flagramos engaioladas pelos capitães-gancho, piratas da pica de pau, que nos impedem, homens e mulheres, de voar. Entretanto, as asas de nossa imaginação nunca serão podadas. E com elas alçaremos vôo para a terra do Nunca Existiu Orgasmo Vaginal, onde o gozo é humano, a libido, múltipla, e os seres não são superiores uns aos outros. Mas,apenas, diferentes.

Nenhum comentário: