quarta-feira, 5 de março de 2008

And Justice for all

Minha filha, com quem partilho este lavatório, diariamente, sempre me mantém antenada com a avant garde universal. Eu, que vivo mergulhada em meus baús, nostálgica da Grécia Antiga e da civilização egípcia, saio então de minha trip passadista e venho ter com o que há de melhor nos post modern times. Há alguns anos, ela me apresentou ao Daft Punk, em clipes muito criativos, um deles dirigido por Spike Jonze, que se consagrou com "Being John Malkovich", e, depois, com "Adaptation". Ambos são sobretudo biografias alegóricas do roteirista Charlie Kaufman, que rompeu com Jonze, e resolveu filmar, ele mesmo, seus roteiros. Jonze, por sua vez, se encontrou no videoclip, a partir da parceria com o Daft Punk.

Eu, que concordo com Fran Lebowitz, que diz que franceses não passam de alemães que aprenderam a cozinhar, nunca consigo acreditar que eles sejam capazes de fazer rock´n roll, pop e congêneres. Porém, eu confesso que me encantei com Mano Negra, nos early nineties, mas dei ciao a Mano Ciao, quando ele começou a vender narguilé em Santa Teresa. O que me parece - e minha filha, muito mais versada no assunto, que me corrija - é que todas estas bandas têm forte influência do punk inglês. Sobretudo do Clash, que foi a melhor delas. Joe Strummer, coitado, depois de todo o sucesso alcançado na virada dos setenta pra os oitenta, sustentou em entrevista que nunca conseguiu comprar sequer um apê! Mas, em Londres, com aquele metro quadrado pela hora da morte da rainha, só dá mesmo pra ser squatter e acender uma fogueirinha no canto do quarto, no inverno, e se cobrir com jornal, como fizeram dois conhecidos meus, que não cito no momento, porque podem se envergonhar, nos hippies anos 70. Mick Jones, primo distante de Spike, por sua vez, fez uma banda que deu o pontapé inicial para todo o Frankenstein de samples, mistura de ritmos, influências, globalização, no caso, benigna, musical: o Big Audio Dynamite, a que tive o prazer de assistir, num excelente show no Teatro Carlos Gomes, em meio a uma platéia pequena, mas muito bem informada. O BAD, como ficou conhecido, fazia esta costura de maneira artesanal, com gravadores cassette e o cacete a quatro, porque o micro ainda não existia! Mas voltando ao Justice, acho que o som lembra o Bowie dos anos 80, mas o somatório de tudo, som, imagem, é muito original e consistente. Metalingüistico em sua trade mark, e trades marks. Interessante assinalar como eles usam de forma inteligente o universo de T-shirts, logos, luminosos, e fazem disto arte, que é o princípio do pop, defendido por seu inventor: Andy Warhol. Contudo, eles não o fazem de uma maneira déjà vu, mas com o que interessa numa banda: personalidade. Adorei! Acho-os muito londrinos. Têm realmente um espírito pós-moderno, bem pós-punk, uma influência clara dos elementos daquela época mas com uma cara contemporânea. A Mary me explicou exemplarmente o fenômeno. Ela disse que acredita que você sofra influência de uma década específica porque era a sua infância. Os punks e pós-punks foram as brancas de neve desses garotos. Assim como os sixties, com todo o seu psicodelismo, foram meu castelo de cinderela. E aí, adultos, fazemos desta lembrança aconchegante matéria-prima de nossas invenções. Mas agora em que sou uma cyber mom, uma nerd mother, mothern, como ela diz, meu próximo trabalho musical, que será a quatro tetas, com minha herdeira, vai ser totalmente contemporâneo. Nada de avant garage. Vai ser aqui, agora e sempre, como me sinto, no momento, finalmente, ajustada aos tempos hodiernos, através desta máquina do tempo, em que minha filha e eu viajamos from Doris Day to Daft Punk...

Façamos, pois, justiça aos franceses do Justice. Eles são o máximo! Misturaram ícones do rock´n roll, com itens do soul, do pop, de tudo o que cerca este universo, e criaram sua marca. Ouvir e ver o Justice é como passear pelas ruas de Londres e de NY, dos 60 aos 2008, registrando na retina todos os signos importantes, projetando na tela do futuro a memória da pós-modernidade. Merci beacoup, dear daughter! Não fosse ela, eu criava mofo sem naftalina nesta cidade-idade da pedra lascada...

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