quinta-feira, 13 de março de 2008

My favorite movie

Acho que foi em 1964/65 que eu vi o musical "Música Divina Música". Ainda não era o meu sonhado "The sound of music", do qual eu já sabia de cor as letras, em inglês. Era uma versão brasileira, com Carlos Alberto, galã que fazia par com Yoná Magalhães, nas incipientes e então inofensivas novelas, Djenane Machado, filha de Carlos Machado, Norma Suely e um pequeno grande elenco, do qual fazia parte Paulo Tomaz Lopes, filho de Rosita, que me deu, há alguns anos, o roteiro da peça, com a assinatura de todos os atores. Um presentaço pra mim, que os vi, criança, na companhia de Marcelo, filho de Carlos Alberto, que morreu num acidente estúpido de automóvel, há tempos. Quem assina a versão em português das canções é ninguém menos que Billy Blanco, em parceria com Marise Murray. Na capa, tem um símbolo do quarto centenário da Guanabara, rabiscado a esferográfica vermelha pelos meninos. Naquela época, os filmes chegavam ao Brasil com ao menos dois anos de atraso. E eu já estava apaixonada por este que se tornou o filme da minha vida. Eu morava em Niterói, quando ele estreou no Palácio, na Cinelândia. Atravessei de barca, algumas vezes, para enfrentar fila de caracol e a decepção de ouvir a bilheteira anunciar que a lotação estava esgotada. Voltei derramando minhas lágrimas pela Baía, com rosto na janela, infeliz, algumas semanas seguidas. Até que um dia: a glória! Aleluia, Maria Von Trapp! Era a minha vez de ver "A noviça rebelde" e cantar, num inglês meio macarrônico de criança, as músicas que ouvi centenas de vezes. Vi três sessões seguidas do musical, que tinha quatro horas de duração. Ou seja, passei o dia todo no cinema, com minha mãe, a mãe da Ilana, a Ilana, Edna e outro Marcelo. Meus amigos de infância judeus, como Rogers&Hammerstein II, autores do libreto. Foi ali que eu tive certeza de que queria fazer música e cinema. Queria ser autora de musicais. Porque eu acreditei piamente que a música era capaz de vencer o nazismo. E que, toda vez em que eu cantasse "My favorite things", todo o mal que consome o homem desapareceria e só haveria sobre o planeta alegria e canções.
Acho oportuno trazer de volta "The sound of music", neste momento em que o mundo parece atestar que os perdedores da Segunda Guerra saíram, de fato, ganhando. Nunca se viveu num mundo de ideologia tão nazistóide. O genocídio não é de apenas um povo. É da humanidade inteira. A humanidade no homem. Todas as mulheres agora são louras, como queria Adolf Hitler. Os americanos, que tiveram na segunda guerra, seu primeiro show room de armas, continuam lucrando com a indústria iniciada ali, às custas de 60 milhões de vidas. E os intelectuais judeus, como Susan Sontag, morrem dia a dia, de desgosto. Isto para não levar em conta que a nossa espécie nunca esteve tão bela e anatomicamente correta, mas também nunca esteve tão burra! Mais nazi, impossível!
Mas a menina em mim que se recusa a morrer ainda acredita na Música, Divina, Música. E no seu poder de nos salvar das garras da brutalidade.
Muita gente viu "The sound of music". Mas poucos viram a peça, com atores quase todos morenos. Um edição morena de "The sound of music." Foi tão inesquecível quanto o filme. E talvez mais precioso, porque o único registro que ficou foi o de nossa memória pueril.
Não sei como será esta "A noviça rebelde." Nunca gostei do título em português, porque eu já era metidíssima, aos cinco anos. Então, me parece que já sai fazendo concessões à burrice. E, a julgar pelo casal que vi nos jornais, deve ser mesmo noviça rebelde. Embora existam atores que eu conheça, que fazem parte do elenco, muito bons. Claro que estou mordida, porque não sou eu que vou fazer o papel de Maria Von Trapp. Acho que todas as mulheres da minha geração se sentem assim também. Até mesmo K.D. Lang.
No mais, é impossível imaginar outra Maria, que não seja Julie Andrews que, depois de dublar Audrey Hepburn, em "My fair Lady", e Deborah Kerr, em "The king and I", pôde finalmente sair de trás das cortinas, no melhor estilo singing in the rain, e se exibir por inteiro, como a melhor cantora de musical de todos os tempos do cinema. Sempre muito inglesa, mesmo depois de se estabelecer na América, e casar com Blake Edwards, Julie Andrews é tímida ao falar de Maria Von Trapp, e de sua outra grande Maria, Mary Poppins. Mas não há ninguém que tenha cantado no cinema como ela. Talvez ela devesse voltar, encarnada em Maria Von Trapp, na terceira idade, indignada com o mundo. E nos ensinar, outra vez, que, ao pensar em nossas favorite things, não haverá nazista que nos roube a humanidade. Mas, ainda que ela não o faça, teremos sempre o consolo de sua imagem e de sua voz, cercada de crianças lindas, de bochechas cor de rosa, entre as quais, Angela Cartwright, ídolo nosso também, via "Perdidos no Espaço". Assim eram o sixties. Stones, de um lado. Julie Andrews, de outro. Esses ingleses maravilhosos e suas máquinas musicais voadoras...E, nós, crianças do mundo, entre ambos, de olhos arregalados e ouvidos atentos para o som da música, que é a manifestação divina do humano em toda a humanidade.

Um comentário:

Ana Maria Santeiro disse...

eu amo esse filme. Também sei algumas letras de cor. amei você ter contado essa história. As filas em caracol no cinema Palácio!

beijo