terça-feira, 25 de março de 2008

Cleptomania intelectual

Tem gente que rouba carro. Tem gente que rouba dinheiro. Tem gente que rouba banco. Tem ladrão de galinheiro. Mas ainda não existe cadeia, pra bandido que rouba idéia. Cleptomania intelectual, psicopatia nacional...

Escrevi estes versos, há quase 20 anos. Agora, dizem que estou mais serena. Porém, jamais serei serena, porque Serena, pra mim, é a prima má da feiticeira. Não que eu aspire a ser boa, como a nossa querida Leila Lopes, mas eu tenho esta veleidade de ser chique. E a elegância prevê etiqueta, que significa pequena ética. No mundo das idéias, no qual eu e minha filha transitamos, e de onde tiramos nosso sustento, não existe ética. O patrimônio intelectual brasileiro é a casa da sogra. As pessoas entram, abrem a geladeira, sem pedir, e vão tirando o que querem e se fartando. Claro que neste transetê todo de pensamentos, mais de uma antena capta a mesma idéia. Quando eu conheci o Zeca Baleiro, e lá se vão 13 anos, ele foi ao meu apartamento e tocou uma canção, intitulada "Heavy metal do senhor", que era muito parecida com uma que eu havia composto pra Rita Lee "I love Lucifer", e que ela não gravou pra não dar pinta. Então, eu disse pra ele: " seu espião industrial. Você roubou minha música!" Na época, eu era mais conhecida que ele, porque já tinha sido gravada pela Rita, Fernanda Abreu, Marina, Luís Melodia, e outros famas. Ainda que eu seja irremediavelmente cronópio. Contudo, o Zeca, de fato nunca tinha ouvido minha música, nem eu, a dele. Chegamos à conclusão de que tínhamos tido a mesma idéia, tanto para letra, quanto pra música, e possivelmente ela nos teria chegado no mesmo dia, que foi algum dia de junho de 1992! Então, simplesmente nos tornamos parceiros, a partir daí. Meus amigos colaboram muito com idéias nos meus textos, e eu nos deles. Sou bastante cuidadosa com isto, porque eu não quero fazer com ninguém o que já fizeram comigo. Reza a lei que uma idéia, por si, não pertence a ninguém. Mas uma idéia formalizada, escrita, registrada em texto, seja poesia, roteiro, conto, romance...esta tem dono e a ele se devem direitos autorais.
Neste momento, em que os copywrights parecem dançados, sobretudo graças à internet, que é terra de ninguém, esta cleptomania de idéias virou instituição. Penso em relaxar com tudo isto e ficar serana. Mas acabo por me irritar e virar prima má. Afinal, sou uma autora. Vivo disto. Não sei fazer outra coisa, por enquanto. Ainda pretendo aprender, porque meu produto virou, como disse Ana Pinta, brinde. Nunca me importei de dar idéias, quando alguém me pede. Eu as tenho em profusão. Não porque eu tenha sido ungida pelos deuses, com o dom da criação. Mas porque eu fui treinada, tanto no Centro Educacional de Niterói, quanto em milhares de empregos e trabalhos, a criar rápido e em quantidades industriais. Por isto, meu cérebro pifa, de vez em quando, tanto quanto os tendões das bailarinas e dos atletas se comprometem com o uso abusivo, exigido pela profissão. Estamos mergulhados na socidade da cópia, desde Walter Benjamim, que já proclamava o fim da aura da obra de arte, com as técnicas de reprodução. Com o computador e os meios de produção e reprodução acessíveis a todos, a obra-de-arte parece estar fadada a não ter dono. Vivemos o obscurantismo do que Millôr chamou de Idade Mídia. Os autores estão cada vez mais escondidos. Hoje, a obra é o próprio autor e sua impressão digital, não digitalizada. Os livros que mais interessam são os autobiográficos. A ficção, por mais imaginativa e instigante, já não suscita tanto interesse. Eu tive a sorte, e o azar, de ter uma biografia única, muito original, que me garantiu um lugar no panteão das raridades. O que me daria muita solidão, se eu não tivesse encontrado meus pares, meus "conterrâneos de alma", ao longo do caminho. Entre os quais, a Mary. Pago um preço altíssimo para ser quem sou. Pensei em vender minha alma na esquina. Mas desisti. Porque eu estou, finalmente, satisfeita com este projeto inacabado que me fundou, e afundou. Não quero outro script. Nem outro personagem.
Recebo emails e mais emails de gente me pedindo idéias, sugestões, pitacos, palpites...normal. Havendo disponibilidade, eu faço isto com prazer. Mas realmente me sinto invadida e usurpada, quando alguém usa um argumento meu, já formalizado, com outros fins e não me dá o crédito. Acho canalhice. E, se fizer algo semelhante, me avisem. Porque, como disse o mesmo Millôr, a corrupção vicia. E este vício eu prefiro não ter, porque ele tem conseqüências muito sérias, prejudiciais não apenas ao bem comum, mas sobretudo à nossa consciência. Não acredito na existência do inferno. Mas acredito que, mais dia menos dia, temos um encontro com a nossa consciência, que irá nos cobrar. Eu já tive vários. Não se trata de culpa judaico-cristã. Se trata de lucidez, de cuidado, de revisão e, finalmente, do perdão. Para se perdoar ao outro e a si próprio, é preciso se valer da consciência. Eu errei, eu me perdôo. Você errou e eu te perdôo. Todos erramos. Todos fazemos merda. Mas o contato com o outro deve nos proporcionar o acesso a esta consciência, para que não viremos monstros civilizados. Déspotas esclarecidos. Somos todos pecadores inatos. Predatas. Vejo gente do pior caráter, hoje em dia, se autoproclamar ético. A ética é um conjunto de valores decidido por uma sociedade em acordo e de acordo com referências. Creio que, ao ligar um ar condicionado, o que faço diariamente, eu esteja compromentendo o meio ambiente e, portanto, ferindo a ética. O tempo todo, neste ponto de decadência da civilização, ferimos a ética.
Mas que a gente consiga, ao menos, manter a etiqueta. Espero ajudar meus parceiros nisto e que eles também me ajudem. Porque eu ainda não desisti de ser uma das dez mais elegantes do Ibrahim, ou do Ibrahímem, como diz Mary Fê. E pretendo desfilar minha elegância, na velhice, como uma velha dama, se não digna, justa e sem saia justa.

3 comentários:

Guilherme Scarpa disse...

Poeminha que eu fiz.
Vou dividir. Quem quiser, pode roubar.

Sem Título

Algumas coisas não precisam ser tão frequentes
As sinceras permanecem aquecidas
As ocultas queimam e ardem como tais elefantes
A evolução encobre as destruídas

Amanhã é sempre sabor d´novidade
A grandiosidade generosa, liberta
Abre os braços em qualquer idade
A mediocridade é rata de coberta

A sede que mata a garganta
A busca pelo pequeno
Algum desses enganos
Arruínam a alma d´uma anta

Às gentilezas e a troca natural
Ao que se ama e como se ama
À quem sabe dividir uma cama
Abençoado seja d´tão original

Beijos

ps: nunca gostei tanto de ir ao toalete!

jorge langone disse...

é isto mesmo!
usurpam sem dó nem piedade e ainda acham q foram idéias próprias.
bem, fazer o q? acho q se indignar sim.

Renan Sanves disse...

sem comentários
tudo já foi dito
rs