domingo, 30 de março de 2008

Eu acredito no incrível

A semana foi intensa para mãe e filha, eis a razão de os posts teriam ficado post(s)poned. Mas, como diz Ellen DeGeneres, que mãe e filha adoram, "don´t wait for tomorrow. Procrastinate now." Minha tecnológica cyber filha está prostrada numa cama. Eu, noutra. Ela em sua casa. Eu, na minha. Já nos telefonamos algumas vezes, quebrando as regras de nossa família, que rezam comunicação predominantemente cyber. Mas é que ela foi dormir muito tarde. E eu, mais tarde ainda. Fui ontem assinar meu livro infantil, "A caixa de Pandura", ed. Rocco, com Suely Mesquita, no Salão de Leitura de Nikiti, minha terra natal maravilhosa, onde a Su constituiu família e construiu uma vida legal. Niterói é a verdadeira cidade maravilhosa. Sim. Os cariocas dizem que a melhor coisa da terra de Araribóia é a vista do Rio. E é mesmo a vista mais bela do Rio de Janeiro. Porque o Rio só é bonito de lá. De longe. Ontem, estava deslumbrante. Mas não é só o RJ do outro lado. É a Baía de Guanabara, da qual Niterói também faz parte. É uma beleza. Niterói é a Grécia daqui. Mikonos. Que privilégio ter sido criada em Icaraí, de cara aí, quer dizer, de cara pro mar da Guanabara. Eu passei a infância numa casa na Moreira César, que pertencia a meus avós, que, por sua vez, moravam naquele que foi o primeiro edifiício da Praia de Icaraí. Habitavam um apartamento gigantesco, com uma vista de tirar o fôlego. Eu e meus primos descíamos pra praia, cuja água era então cristalina, e ajudávamos os pescadores a puxar o arrastão, e eles nos pagavam com peixes fresquinhos, que levávamos orgulhosos pro apê de nossos progenitores. E fazíamos questão de fritá-los nós mesmos, para horror da cozinheira. Depois comíamos o peixe admirando o cenário, o mais lindo do mundo, sobre o qual o sol derramava o arrebol, felizes e recompensados, como dois autênticos pescadores da alta burguesia. Depois, eu me mudei pra um apartamento, muito grande também, de quatro quartos, três banheiros, duas salas, no prédio mais alto da cidade. Era um luxo ter tantos banheiros naquela época. E eu, com meu complexo de Cleópatra, tomava longos banhos, no meu box, do meu próprio banheiro, que era cheio de duchas laterais, uma grande novidade nos anos 60 que eram, e me sentia mesmo uma rainha. Sempre que meu primo vinha do Rio, eu ia pro aparatamento da Praia de Icaraí, que ficava a duas quadras do meu, e fazia um pseudo-programa de radio, na área interna do edifiício, intitulado "A rainha do Universo." Com uma voz de Dick Vigarista, eu me anunciava a rainha que iria escravizar os terráqueos, sob os apupos dos moradores e as risadas cúmplices de meu primo, que adorava incentivar meus micos e se divertir às custas da minha cara de pau. O "pgm" virou um hit no prédio e pontualmente, no final da tarde, eu enfiava minha cara (de pau) numa janelinha e minha voz ecoava pela torre: "Súditos rrrreaisss, eu sou sua rrrainha. A rrrainha do universo. E vocês me devem obediência." Já aos sete anos, eu era uma doidivanas, e eu e meu primo, muito influenciados pelo rádio, que ouvíamos às terças-feiras, em programação dupla: "Teatro de mistério", de Helio do Soveral, um noir no ar, no qual o Humphrey Bogart/ Sam Spade se chamava Inspetor Marques. E ainda "Eu acredito no incrível", que relatava fenômenos "reais", enviados em cartas, pelos ouvintes, tais como a extraordinária aparição do vampiro de Nilópolis. Será que era o Anísio Abraão David?!, ou a do bode vermelho em Madalena. João preferia o noir. Eu já gostava mais do fantástico. "Eu acredito no incrível, eu acredito no extraordinário, eu acredito no inacreditável..."

E o incrível aconteceu ontem, em Nictheroy. Encontrei-me, depois de vinte anos de tentativas, com Sérvio Túlio. O gênio que trouxe a música eletrônica para o Brasil, nos eighties, em sua banda Sahara Sahara. Sérvio está cada vez mais erudito, culto e brilhante. E eu tive uma noite sensacional, na minha cidade, em sua companhia e na de outras pessoas muito inteligentes e antenadas. Por falar em antena, eu e Sérvio descobrimos que temos uma antena implantada na mesma parte do corpo: o fêmur direito que, em ambos, é de titânio revestido de platina. Conheci mais facetas, sempre instigantes, do tabalho deste sérvio, que já esteve na Sérvia, a convite, para tocar. Nós, beatinikitis, somos os sérvios. Os cariocas, croatas. Mas o melhor é atravessar a ponte ao amanhecer. A conversa estava tão rica, na casa do Edil, filósofo-astrólogo, na companhia de Túlio e Lou, que eu perdi a noção da hora e saí dali às seis da manhã, sob uma deliciosa chuva. Parecia um sonho, em preto e branco. O Pão-de-açúcar surgindo entre as nuvens cinzentas, como uma aparição fantástica. E a cidade mergulhada na bruma, toda cinza. Metrópolis de Fritz Lang, como o skyline de NY, que eu via do Brooklyn, sempre do outro lado da ponte...destino de todo niteroiense que se preze. Que espetáculo! Agradeci aos deuses por aquele longo dia. O Rio amanheceu na minha frente, no vão central, e eu pensei que amo o Rio assim: deserto, cinza, de longe, do alto da ponte...eu acredito no incrível, eu acredito no extraordinário, eu acredito no inacreditável, no fantástico...a vida é radiofônica. Niterói é cinematográfica...deve ser por isto que ali está sediada a melhor escola de cinema do Brasil. Os astrólogos falam muito do céu de Niterói. Dizem que quem nasce sob ele está mais conectado com o resto do planeta e com o universo, do que outros brasileiros. Sou bairrista. Baiana da Baía de Guanabara, como meu amigo Paulo Fortes. Mas a diferença é que niteroiense não liga se falarem mal de sua cidade. Niterói, talvez por ser mais cosmopolita que sua antípoda, do outro lado da poça, por ter tido uma colonização de ingleses, italianos, japoneses e, principalmente, judeus, muito grande, tem esse auto-deboche, esse rir de si mesmo. Niterói é a cidade sorriso. E também a cidade riso. Os nikitinenses da gema são sempre muito engraçados. Gostam de rir de tudo o tempo todo. E têm sempre um parafuso a mais ou a menos. Influência dos discos voadores que todos inventamos, nos anos 60, que vimos. Eu inventei que vi uma nave espacial, em junho de 1969. Nós estudávamos em horário integral e estavámos no intervalo do almoço, olhando o céu. Era sexta-feira e a gente queria matar aula. Apareceu um balão. E nos pareceu uma ótima desculpa. Descemos do terraço, fingindo pavor, e dizendo que havíamos visto um disco-voador. A diretora do colégio era casada com o colunista social do Fluminense. Imediatamente, acionou a imprensa local. Por nossa feita, pedimos aos operários da construção ao lado, para confirmar a visão do OVNI. No dia seguinte, tive que voltar à escola, um sábado, toda uniformizada, para posar para a matéria sobre a maior mentira da década., confirmada tanto pelos obreiros vizinhos, quando por um maluco na barca.

O colégio era todo progressista, experimental. E eu sou resultado desta experiência e de outra, o CEN. E lá estava eu com meu uniforme jeans, uma inovação, bem avant garde, magra como um bacalhau, com meu jeito Emília, Marquesa de Rabicó, de ser, apontando para o céu. Depois, me pediram para desenhar o disco-voador no quadro. Uma vez que o que permanecia mais fresco na memória era a nave dos Incas Venusianos, de National Kid, não tive dúvida: desenhei aquele olho nipônico cheio de luzes, que figurou, ao lado de minha foto, na primeira página do Fluminense e numa página interna de O Globo. Meu primo, meu cúmplice nas doidivanices, quando olhou o desenho, no jornal nas mãos do meu avô, caiu na gargalhada e disse: "é mentira dela. Esse é o disco-voador dos Incas Venusianos..." Mas, àquela altura e autora, eu já era uma ficcionista inveterada, e, no empenho de convencer os outros, convenci-me a mim mesma de que tinha visto a tal nave. Caí em prantos. Minha mãe se precipitou em minha defesa: "vocês implicam com esta menina." Uma tragicomédia. Ferida em minha fidedignidade, recolhi-me à sala da televisão e mergulhei no espectar de outro science-ficiton obrigatório na época: Lost in space.

E agora, aqui, lost in cyberspace, pela primeira vez, depois de 40 anos, finalmente confesso: era tudo mentira, mas era tudo verdade, porque eu acredito no incrível, eu acredito no inacreditável, eu acredito no fenomenal, porque eu acredito na minha invenção, como Thomas Edison na lâmpada incandescente e Graham Bell, no telefone. Eu não passo de uma cientista maluca. Mas nasci em Niterói, e nascer em Nikiti sempre foi uma piada. Uma farsa. Mas, em verdade vos digo, as risadas que emiti e arranquei foram muito verdadeiras. Porque eu acredito no incrível, extraordinário e fantástico poder do riso.

2 comentários:

Servio Tulio disse...

Querida Mathilda
Foi uma honra compartilhar a deliciosa noite de sábado contigo.
Seu fã eterno
ST

Ricky disse...

maravilhosa esta cronica!!

o jogo dos post postponed...

a imagem de mathilda atravessando a ponte ao amanhecer e vendo o rio...

a reaparição do sahara sahara...

a naoaparição do disco voador venusiano-incaico....

várias vinhetas
culminando com o causo do OVNI!